Formação de pessoas consagradas para a integridade interior

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Esclarecimento da terminologia

A definição da expressão “formação para a integridade interior da personalidade” pode ser delineada como o processo de aquisição de competências e habilidades no processo de desenvolvimento integral da personalidade: é o envolvimento de todo o potencial individual para o crescimento nas dimensões da vida humana e da vida consagrada. Desse ponto de vista, uma das tarefas mais importantes do processo de formação na vida consagrada é alcançar a unidade interior por meio da conexão da mente e do coração com as forças psíquicas, espirituais, sensuais e emocionais.

O Papa Paulo VI, em sua exortação apostólica Evangelica testificatio sobre o testemunho evangélico da vida consagrada (1971), emitida como uma ajuda para a realização da vocação à vida consagrada em fidelidade ao ensinamento do Concílio Vaticano II, ensinando sobre a formação de religiosos e religiosas, nos lembra que não importa quão diferentes sejam os métodos, todos os meios devem sempre visar à formação da pessoa interior[1]. De acordo com o Santo Padre, independentemente da variedade de formas de vida monástica e carismas de serviço, todos os elementos e meios no processo de formação devem ter como objetivo principal a construção da pessoa interior.

Assim, podemos falar de dois termos separados que são usados em paralelo: a integridade interior da pessoa e o homem interior. Entretanto, esses são dois conceitos diferentes ou, para ser mais preciso, duas dimensões típicas da vida interior de uma pessoa. “Integridade interior” é antes de tudo sinônimo de “coração” e refere-se a um estado sensual que gera emoções, sentimentos, pensamentos e desejos transcendentes, sublimes e estimulantes, contribuindo para o desenvolvimento harmonioso da pessoa. Por outro lado, a expressão “homem interior” é mais um sinônimo de ‘espiritualidade’, ou seja, viver segundo o Espírito Santo, sentimentos ou experiências espirituais, em outras palavras, “viver no Espírito Santo”.

Integridade interior e maturidade psicológica

Em um nível puramente psicológico, a integridade interna de uma pessoa surge como o principal critério de maturidade humana. Uma pessoa madura alcança a unidade interna de sua existência quando controla seus impulsos, desejos e energia interior. A maturidade psicológica da pessoa consagrada também se manifesta na unidade da vontade e das emoções, no domínio e no controle dos desejos, sentimentos, paixões, impulsos, instintos etc.

A maturidade psicológica e a integridade interior de uma pessoa consagrada podem ser descritas de diferentes maneiras e de acordo com diferentes critérios de avaliação. Para as pessoas consagradas, a maturidade psicológica é um dos principais indicadores do desenvolvimento harmônico da personalidade. É por isso que podemos chamar uma pessoa consagrada de integral se ela compreende e aceita a si mesma na verdade, tem consciência de sua força interior, capacidades, habilidades e talentos e, ao mesmo tempo compreende suas fraquezas e debilidades.

Nesse sentido, pode-se confirmar que a consagração especial a Deus exige da pessoa tanto maturidade psicológica quanto integridade interior, ou seja, a unidade de todo o ser: forças sensuais e espirituais, memória, sentimentos, mente, vontade, esferas conscientes e inconscientes, estímulos, instintos e necessidades. Tudo gira em torno de um único centro e pivô – o sacrifício total de si mesmo a Deus e o serviço fraterno ao próximo.

Formação para a integridade interior da personalidade

O documento da Congregação para os Institutos de vida consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica Potissimum institutioni (1990), que contém as diretrizes para a formação nos institutos monásticos, apresenta a formação para a integridade interior da personalidade como uma consequência da harmonização do próprio ser da pessoa estar em harmonia com o plano de Deus para ela. A escolha de uma pessoa de seguir Jesus Cristo e imitá-Lo em sua vida é sempre provocada e estimulada pelo amor pessoal por Cristo. De fato, esse amor é o princípio básico da unidade interior de toda pessoa consagrada. Assim, o documento acima mencionado ensina que a integridade interior de uma pessoa consagrada se forma em primeiro lugar graças à sua decisão de imitar Cristo, que surge somente por amor a Ele[2].

O Concílio Vaticano II, em seu decreto Presbyterorum ordinis sobre o ministério e a vida dos presbíteros, também afirma que a integridade da pessoa é alcançada seguindo o exemplo de Cristo, o Senhor, para quem alimento era fazer a vontade dAquele que O enviou para realizar sua a obra (cf. Jo 4,34) [3]. Os padres conciliares também mostram o caminho para alcançar essa unidade, que consiste em unir-se a Cristo no discernimento da vontade do Pai e no sacrifício e doação de si mesmos[4].

O exemplo de Jesus Cristo

O exemplo de Jesus Cristo, antes de tudo, propõe a toda pessoa consagrada o princípio da unidade de coração. Portanto, a principal tarefa de cada religioso ou religiosa é mudar gradualmente seus desejos pessoais e preferências individuais de acordo com a decisão especial de seguir Cristo, amando o Senhor Deus “com todo o seu coração”, “com toda a alma” e “com toda a sua mente” (cf. Mateus 22,37) e orientando seu coração para onde está “seu tesouro” (cf. Mateus 6.21).

Nos Evangelhos sinópticos, Cristo fala com frequência sobre os ensinamentos da purificação do coração humano. Por exemplo, no Evangelho de Mateus, Cristo proclama: “Vocês não percebem que tudo o que entra pela boca vai para o estômago e sai? E o que sai da boca provém do coração e contamina a pessoa; porque do coração saem os maus pensamentos, o homicídio, o adultério, a prostituição, o furto, o falso testemunho, a blasfêmia. Essas coisas contaminam a pessoa, mas comer com as mãos não lavadas não contamina a pessoa” (Mateus 15,17-20).

À luz dessas palavras, o teólogo moralista italiano Sabatino Maiorano argumenta que a moralidade humana não tem a ver em primeiro lugar com as ações que uma pessoa realiza, mas com o coração que inspira e determina essas ações: Assim, “toda árvore boa dá bons frutos, mas a árvore má dá frutos maus” (Mateus 7,17). Assim, na vida de um discípulo de Cristo, é estabelecida uma dinâmica circular que vai do coração para as ações e das ações de volta para o coração. O coração é a fonte da moralidade de uma pessoa porque determina o valor moral mais elevado, e as ações são os frutos que, por sua vez, revelam e fortalecem a pureza do coração[5].

Relação entre a espiritualidade e a vida moral

E é aqui que surge a problemática da relação entre a espiritualidade e a vida moral de uma pessoa, que é destacada por outro teólogo moral, Marciano Vidal. O estudioso fala da estreita conexão entre “espiritualidade” e “moralidade” e ensina que a última surge da primeira, ou seja, é seu fruto. Vidal observa o seguinte: tanto a espiritualidade quanto a moralidade surgem da mesma fonte, que é a “nova vida” em Cristo, e ambas realizam o plano de salvação de Deus na história humana. Na “nova vida”, a espiritualidade se torna um compromisso ético, e a moralidade é nutrida pela experiência espiritual[6].

Formação interior da unidade do coração

A formação interior de uma pessoa tem como objetivo a unidade do coração e é a base do processo formativo da educação moral. A formação interior começa com a coragem de entrar em seu coração, rejeitando o orgulho, a autoconfiança, as reivindicações, os falsos direitos, desculpas e aceitar sinceramente a verdade sobre si mesmo, alcançando-a também por meio da comparação com a palavra de Deus.

Nos Ensinamentos mais recentes da Igreja, a unidade interior do coração humano é um dos temas mais importantes e frequentemente repetidos, e em muito nos discursos do Papa Francisco. Assim, por ocasião de uma reunião com os reitores e estudantes dos Colégios Pontifícios e instituições educacionais de Roma, em 2014, ele conclamou: “Devemos ser os donos do próprio coração. O que meu coração sente, o que ele está procurando? O que me trouxe alegria hoje e o que não trouxe? Nunca findemos o dia sem fazer essas perguntas”[7]. O Santo Padre continua seu discurso enfatizando a importância da vigilância: “Atenção a mim mesmo: o que está acontecendo em meu coração? Pois onde está o meu coração, aí está o meu tesouro”[8].

Em outra ocasião, o Papa Francisco fala do secularismo que permeia os institutos monásticos e a vida das pessoas consagradas: “O secularismo ‘gruda’ em você. É preciso um grande ascetismo, nascido do amor e da contemplação de Jesus, para resistir a ele. Há pessoas consagradas que, no final, não sabem se são consagradas ou leigas”[9]. No entendimento do Papa Francisco, “secularidade” significa pertencer ao mundo e não ao Senhor, ou seja, viver a vida e avaliar as coisas com critérios seculares: esse é um grande perigo para as pessoas consagradas hoje[10].

Conclusões

Como conclusão, vemos que os elementos essenciais da formação moral das pessoas consagradas para a integridade interior da personalidade são, antes de tudo, uma vida de acordo com o Evangelho, bem como uma correta avaliação da realidade. O processo de formação deve ensinar a pessoa a viver com base em um sistema axiológico e de discernimento moral, no qual os valores mais elevados são as verdades do Evangelho. E o discernimento moral “é a capacidade de avaliar cada situação de acordo com os critérios do evangelho[11]”. A partir dessa posição, avaliação e discernimento constantes, uma personalidade é finalmente formada, desenvolvendo-se constantemente e formando uma unidade de coração e sentimentos, ou seja, essa harmonia interior que mais tarde se manifesta externamente na vida e no comportamento.

Ordenado em base no trabalho científico: “A formação moral das pessoas consagradas à vida de comunhão no recente magistério pontifício”.

Pe Kypriyan Zeykan, OSBM


[1] Сf.. Paolo VI, Evangelica testificatio, Esortazione apostolica (29.06.1971), in AAS 63 (1971) 497-526, n. 32.

[2] Cf. Congregazione per gli Istituti di vita consacrata e le società di vita apostolica, Potissimum institutioniDirettive sulla formazione negli Istituti religiosi (02.02.1990), in EdVC, 2812-2902, n. 18.

[3] Cf. Concilio Vaticano II, Presbyterorum ordinis, Decreto sul ministero e la vita dei presbiteri (7.12.1965), in AAS 58 (1966) 991-1024, n. 14.

[4] Cf. Ibidem.

[5] Cf. S. Majorano, La coscienza. Per una lettura cristiana, San Paolo, Cinisello Balsamo Milano 1994, 69-70.

[6] Cf. Concilio Vaticano II, Presbyterorum ordinis, Decreto sul ministero e la vita dei presbiteri (7.12.1965), in AAS 58 (1966) 991-1024, n. 14.

[7] Francesco, Discorso ai rettori e agli alunni dei Pontifici Collegi e Convitti di Roma (12.05.2014), in Insegnamenti di Francesco, II/1 (2014) 531-544.

[8] Ibidem.

[9] Francesco, La forza della vocazione. La vita consacrata oggi, Conversazione con Fernando Prado, in F. Iodice (trad.) Centro Editoriale Dehoniano, Bologna 2018, 87.

[10] Cf. No mesmo lugar.

[11] M. Vidal García, Nuova morale fondamentale, 203.