Comunidades monásticas – testemunhas da comunhão e um meio de transmissão da fé

A comunidade como uma comunhão de dons.
O testemunho das pessoas consagradas começa nas comunidades monásticas, que manifestam a comunidade da Igreja. Essa realidade representa a eclesiologia da comunhão, – uma das ideias centrais do Concílio Vaticano II, que supera a visão unilateral da Igreja identificada com uma dimensão hierárquica. O termo teológico comunhão (κοινωνια), embora abranja uma riqueza de significados, nesse contexto refere-se à comunidade dos discípulos de Cristo, que cria unidade(communio) por estar em comunhão com Deus e uns com os outros.
Para São Basílio o Grande, um dos legisladores da vida monástica e criador de um ideal monástico particular, a comunidade monástica encarna a Igreja como o Corpo de Cristo na comunidade de dons/carismas (cf. 1 Cor. 12,7). Compreendendo a teologia do Apóstolo Paulo, ele vê as comunidades de seus ascetas como diversidade na unidade criada pelo Espírito Santo. São Basílio rejeitava completamente a vida dos eremitas, os chamados Eremitas, criticando esse modo de vida pela falta de espaço para o exercício dos carismas. Se trata de carismas como um espaço vivo para a vida comunitária, cenobial e como uma comunidade para compartilhar bens materiais e espirituais. Ele detalha esse ponto em sua resposta à sétima pergunta das Regras Extensas.
Sobre a eclesiologia da comunhão se trata também na carta Apostólica Novo millenio ineunte. Ao delinear as prioridades da Igreja Católica para o terceiro milênio, o Papa João Paulo II escreve que fazer da Igreja um lar e uma escola de comunhão é um grande desafio para todo o povo de Deus “se quisermos ser verdadeiramente fiéis ao plano de Deus e responder também às expectativas mais profundas do mundo” (43). Esse desafio também é verdadeiro para as comunidades monásticas, – parte integral da Igreja.
Comunidade – lugar de transmissão da fé
As comunidades de pessoas consagradas são, ao mesmo tempo, um lugar efetivo de testemunho da fé da Igreja. A constituição Dogmática sobre a Revelação Divina Dei Verbum (12) afirma que a Tradição, que vem dos apóstolos, “se desenvolve na Igreja com a ajuda do Espírito Santo”, e isso acontece por meio da “compreensão interior mais profunda que vem da experiência das questões espirituais” e por meio da “pregação daqueles que, juntamente com a sucessão episcopal, receberam o autêntico carisma da verdade”. Portanto, como afirma a Constituição Dogmática sobre a Igreja Lumen Gentium (12), tendo uma compreensão sobrenatural da fé (sensus fidei), toda a comunidade de fiéis participa do ministério profético de Cristo por meio de uma vida de fé e amor.
Sobre a importância de cultivar uma vida de fé, o teólogo alemão Hermann Josef Pottmeyer ressalta argumentando que os ensinamentos do Concílio Vaticano II parecem ter despertado a consciência de todos os membros da Igreja para serem portadores da Tradição. Descrevendo a harmonia entre uma ampla gama de exemplos de provas da Palavra de Deus (os chamados loci theologici), ele volta sua atenção para um importante critério de sua coerência – a competência espiritual.
Analisando a pessoa e as cartas do Apóstolo Paulo, o Pe. Pottmeyer observa que esse critério deriva do dom da fé e inclui humildade, obediência e comportamento, que, por sua vez, se torna uma encarnação viva do conteúdo do que a pessoa proclama. Um elemento importante desse critério é a conversão, que, à luz da tradição cristã, implica uma mudança nas intenções, palavras e ações da pessoa na direção de Deus. Isso significa repensar o que nos guia na vida. O teólogo alemão conclui que a conversão é necessária para que a própria testemunha e seu testemunho se tornem “um sinal de realização do amor de Deus”. A conversão da testemunha, que é obra do Espírito Santo, torna possível a escuta e a compreensão que precedem a proclamação e o testemunho.
Por meio da conversão, a testemunha ao mesmo tempo se coloca na comunidade de testemunhas. Assim, a autêntica transmissão da fé se realiza no fato de ser uma testemunha também na comunidade das testemunhas, tornando-se assim a revelação do Reino de Deus na história. A dinâmica desse testemunho é particularmente característica das pessoas consagradas que uma vez mudaram radicalmente seu modo de vida para servir como mensageiros do Reino de Deus.
Os Conselhos Evangélicos – um dom para compartilhar
O sinal essencial do testemunho das pessoas consagradas são os Conselhos Evangélicos: pureza, obediência e pobreza. Eles são dados não apenas para a observância individual, mas também se tornam um tesouro para toda a Igreja, que é representada principalmente pela comunidade monástica, o Corpo carismático de Cristo. Além disso, o que normalmente é considerado uma limitação torna-se um dom para o mundo.
As formas como a vida é praticada nos conselhos evangélicos podem variar, mas todas devem servir para restaurar uma relação equilibrada com as coisas, de modo a não sucumbir à mania de possessividade. Os conselhos evangélicos tornam-se um meio de encontrar uma relação harmoniosa com a própria afetividade, sexualidade e liberdade pessoal. Portanto, as pessoas consagradas podem mostrar ao homem moderno como humanizar as suas forças vitais e curar alguns excessos, melhorando a qualidade de sua vida interior.
Às vezes, as pessoas consagradas podem expressar pesar pelo fato de que as pessoas hoje em dia são frequentemente escravizadas pela devassidão ou por seu próprio “eu” egoístico. Isso parece ser parcialmente culpa daqueles que deveriam oferecer à cultura e ao mundo dominantes uma proposta de vida espiritual e testemunhar um modo de vida em uma relação equilibrada com as coisas, o dinheiro, os sentimentos e as pessoas. No final, eles podem ter feito isso de forma pouco convincente, parcial ou envergonhada.
Vivendo segundo os conselhos do evangélicos, a pessoa consagrada propõe uma mensagem importante, temperada com o sal do Evangelho, que é necessária para todos os homens e mulheres. Por exemplo, o voto de pureza significa a liberdade de amar a todos com o coração e o estilo de Deus, especialmente aqueles que são menos amados. Pobreza significa valorizar o outro por quem ele é, por sua dignidade intrínseca, não pelo que ele tem, e não permitir que coisas ou possessividade atrapalhem o relacionamento. Por sua vez, a obediência consiste em ver cada pessoa em sua diversidade incognoscível e como um mediador precioso: caminho inevitável para chegar a Deus e descobrir a manifestação de Sua vontade.
Amar os outros com o coração de Deus
A realização dos conselhos do Evangelho não é uma tarefa puramente subjetiva de ascetismo e mortificação árduos, mas significa viver em um relacionamento forte com Deus, de modo que graças a Ele possamos viver em um relacionamento mais intenso com todas as outras pessoas. Por exemplo, superando uma prática limitada do voto de pureza, vale a pena dizer que a pureza tem como objetivo concentrar a vida afetiva em Deus, amando-O de todo o coração. Como resultado, o poder transformador desse amor se manifesta principalmente em relação a um irmão ou irmã na comunidade. Dessa forma, a comunidade monástica é chamada a ser uma comunidade de pessoas que se aceitam mutuamente, perdoam umas às outras e carregam os fardos umas das outras (cf. Gálatas 6,2), sentindo-se verdadeiros irmãos ou irmãs. Além disso, a manifestação do caminho do amor, que não é mais apenas humano, mas também divino, não se limita somente à comunidade.
Assim, o fruto da vida consagrada é um amor fervoroso que é mais sensível ao sofrimento humano e mais capaz de demonstrar ternura. Por exemplo, na Ucrânia, muitas pessoas consagradas demonstram seu amor não apenas aos pobres, mas também aos migrantes internos, aos veteranos, aos doentes e a todos aqueles que estão em dificuldades e sofrendo e precisam ser curados das feridas da guerra, bem como testemunhar a presença de Deus e ver sinais de esperança.
A comunhão começa com o amor a Cristo
O amor está inseparavelmente ligado à santidade. Todo cristão é chamado à santidade, que é a perfeição do amor (cf. LG, 40). Isso é especialmente verdadeiro para as pessoas consagradas, que são chamadas a conhecer o amor de Cristo, que supera toda imaginação (cf. Ef. 3,19). Nesse contexto, podemos olhar para a chamada “teologia viva dos santos”. Foi justamente o amor de Deus, vivido por numerosos religiosos e freiras, que explicou Deus àqueles que não têm muito conhecimento sobre as especificidades da teologia.
Entre esses santos, destaca-se Santa Tereza de Lisieux, também conhecida como Santa Tereza do Menino Jesus e da Sagrada Face. Na Carta Apostólica Novo millenio ineunte, o Papa recorda que ela foi proclamada Mestra da Igreja por ser especialista na “ciência do amor” (scientia amoris). “Percebi que a Igreja tem um Coração e que esse Coração arde de Amor. Também percebi que somente o Amor torna possível a atividade dos membros da Igreja. […] Percebi que o Amor contém todas as vocações, que o Amor é tudo” (M 3v), escreveu Santa Teresa.
Manifestando sua fé, esperança e amor, que são também a base e a alma de toda a teologia da Igreja, essa santa conseguiu transmitir as verdades da fé cristã às profundezas dos corações humanos em uma linguagem simples, universal e simbólica, para que pudessem brilhar no amor. Suas reflexões, inspiradas nas Sagradas Escrituras, criavam uma poesia de amor. Por exemplo, refletindo sobre como o Senhor leva o homem à unidade com Ele (cf. João 6,22), ela pediu o dom de ser atraída (cf. Salmo 1,4) por Aquele que cativa o coração humano: “Se o fogo e o ferro tivessem razão, e se o ferro dissesse ao fogo: Atraia-me, – não seria prova de que procura identificar-se com o fogo, de modo que o penetre e o encha com sua substância ardente, como se fosse um só com ele? Querida Madre, esta é a minha oração, peço a Jesus que me atraia para as chamas do Seu amor, que me una intimamente a Ele, para que Ele possa viver e agir em mim” (G 36r).
A essência de toda a teologia de Santa Teresa é o foco em Jesus Cristo, o chamado cristocentrismo. Em suas obras completas, o nome de Jesus é usado mais de 1.600 vezes, o que é duas vezes mais que o nome de Deus (mais de 800 vezes). Sua antropologia é uma antropologia cristológica que sintetiza a consideração da criação e a obra da salvação. Isso é expresso especialmente por meio de dois grandes símbolos: a flor, que é o principal símbolo da humanidade e a imagem que expressa todas as suas realidades, e a lira, o principal símbolo do coração humano.
Dimensões do amor capazes de abranger a realidade humana
Os escritos de Santa Teresa do Menino Jesus mostram a capacidade de todo ser humano de sentir e aceitar Deus na pessoa de Jesus Cristo. O coração humano, que é simbolicamente representado como uma lira, tem suas próprias cordas de amor: amor conjugal, maternal, de filha e de irmã. O seu amor de filha por Jesus é expresso por meio de uma infância espiritual simbólica na qual ela clama a Deus com confiança: “Paizinho”. Ao mesmo tempo, ela se expressa como uma mulher adulta que é, antes de tudo, a noiva de Jesus e uma mãe espiritual. Pois se nos esquecermos das dimensões conjugal e materna, corremos o risco de transformar a “infância espiritual” em “infantilismo espiritual”. Os escritos de Santa Teresa contêm um rico ensinamento sobre a virgindade cristã, uma virgindade frutífera que está inextricavelmente ligada à vida conjugal e à maternidade. Esta mística reflete a participação no mistério de Jesus, a comunhão do Espírito Santo, com a Virgem Maria e na Igreja.
Santa Teresa se destacou pelo coração de uma noiva e mãe, filha e irmã – as cordas do amor que representam a verdade universal e caracterizam todo ser humano criado à imagem de Deus. Esses quatro acordes são expressos na realidade espiritual e corporal de toda mulher. E também em todo homem que tem o coração de um noivo e de um pai, filho e irmão. Embora a pessoa esteja ferida pelo pecado original, Jesus a cura com Seu amor, “afinando” as cordas de sua alma. Esse simbolismo musical é uma das chaves da teologia de Teresa. As suas obras são uma “canção de amor”, um testemunho de uma mulher que ama de todo o coração, abraçando a realidade de Deus e do homem no único amor de Jesus.
A partir da perspectiva do amor, Santa Teresa também compreendeu outras questões no âmbito teológico. Se dermos uma olhada mais de perto nas reflexões dos teólogos sobre o mistério do Deus-homem (Cur Deus Homo?), encontraremos muitas representações originais e engenhosas do motivo da Encarnação. Santa Teresa complementa vividamente as respostas de teólogos proeminentes, observando que a necessidade dos sacramentos da Encarnação, da Cruz e da Eucaristia vem de seu próprio coração, de seu desejo de amar e ser amada: “Anseio por um coração quente e ardente de ternura, que me sustente sem reciprocidade, que ame tudo em mim, inclusive minhas fraquezas, e que não me abandone dia e noite. Mas não encontrei nenhum ser que me ame sempre e nunca morra… Anseio por Deus…” (P 23).
No dia em que fez seus votos, ela pediu a Jesus o dom do “Amor Infinito”, expressando seu desejo de estar “no coração da Igreja” com o amor de Jesus, para que ela pudesse ser tudo. Um simples ato de amor de Santa Teresa: “Jesus, eu te amo”, anima seus escritos e se torna a última frase de sua vida. Essas palavras, que são o fio vermelho que une todos os escritos dessa religiosa em um único tecido, enriqueceram sua vida e lançaram luz sobre a compreensão da ação do amor de Deus na vida de toda a Igreja.
O testemunho de Santa Teresa revela uma das muitas pedras preciosas que criam o mosaico da eclesiologia de comunhão inerente às comunidades monásticas. Dessa forma, ao criar a unidade diária com Deus e entre si, as comunidades de pessoas consagradas se tornam um impulso para toda a Igreja na construção de uma nova humanidade enraizada em Jesus Cristo.
Pe. Yakiv Shumylo, OSBM
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